quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A ÉTICA DA ALTERIDADE




Ermance Dufaux

"Porque, se só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa? Não procedem assim também os publicanos? Se apenas os vossos irmãos saudardes, que é o que com isso fazeis mais do que os outros? Não fazem outro tanto os pagãos?" (S. Mateus, cap. V, vv. 46 e 47.) O Evangelho Segundo o Espiritismo – capítulo XII – item 1

A escola dos relacionamentos é o convite da vida para a vitória sobre o egoísmo. Viver é de todos, conviver é de poucos, e conviver bem é para quantos disponham encetar nova jornada ante a nossa condição de "cidadão do universo".

Cada pessoa que passa pela nossa vida, ainda que superficial e circunstancialmente, é portadora de uma mensagem de vida para nós. Não existem relações casuais.

A boa convivência é quesito de qualidade de vida. Quem a experimenta sorri mais, tem melhor tônus muscular, forra-se do cansaço dos agastamentos, logra melhor nível de sono, vence facilmente a rotina, imuniza-se contra o tédio, amplia sua criatividade e vive na atmosfera da paz.

Livros desatualizam, eventos fecham ciclos, instituições extinguem-se e as tarefas são recursos didáticos, mas os relacionamentos perpetuam na consciência, são a única realidade plausível de todo o cosmo doutrinário, é a essência do Espiritismo em nós.

É por isso que temos que aprofundar conceitos em torno da alteridade no melhor encaminhamento de nossas questões de amor ao próximo seja nas atividades educativas da doutrina ou nas forjas disciplinadoras da sociedade.

Concebamos a alteridade, sem rigor técnico, como sendo a singularidade pertinente a cada criatura. Naturalmente, o conjunto das singularidades humanas estabelece a diversidade. Essa diversidade nos solicita, perante os Sábios Códigos do Criador, uma ética nas relações que reflita os princípios de pluralidade natural para a harmonia e evolução.

Assinalemos assim, de forma compreensível, que a "ética da alteridade" é a nossa capacidade de relativizar-se perante as diferenças das quais os outros são portadores, convivendo em paz com nossos diferentes e suas diferenças, rendendo-lhes respeito e amor na forma como são e se expressam nas suas particularidades.

Reconhecemos a melhoria de nossas condições pessoais através desse preito espontâneo de reverência a quem quer que seja, sem que tenhamos que perder a identidade íntima, mantendo-a sempre resguardada pela definição de propósitos e coerência como características de criaturas espiritualmente saudáveis. Ética de alteridade não significa concordar com tudo ou aprovar tudo, ela não nos retira o senso de valor moral enobrecedor, pois nem toda alteridade está engajada nas sendas do bem. Por exemplo: algumas comunidades aferradas ao folclore manterão rituais ou festas que para o progresso social em nada cooperam objetivamente, trazendo algum benefício somente para aqueles que fazem culto a lendas e tradições. Nosso "dever alteritário", contudo, é respeitar a diferença, buscar compreende-la na atitude alheia e, quando possível, buscar aprender algo sobre a "essência do outro" - uma razão profunda e Divina para aquele comportamento, algo "invisível aos olhos" como acentua o inspirado Antoine de Saint Exupery.

Portanto, perante diferenças sociais, corporais, intelectuais ou de que natureza for, adotemos a ética da alteridade e vivamos em paz.

Muitas pessoas nutrem um terrível vazio existencial porque querem existir mudando o outro, querem se realizar no outro, acham que tem todas as respostas para ele, querem "anular a diferença" alheia para se sentirem bem. Por isso é tão comum encontrarmos deficiências no próximo. Sempre achamos que se ele mudasse nisso ou naquilo tudo seria melhor e ele, inclusive, seria mais feliz. Esse é o velho hábito da intromissão perniciosa nas desconhecidas terras do mundo da diversidade que queremos moldar a gosto pessoal, talhando a igualdade como forma de encontrar a fictícia solução para tudo que nos importuna ou contraria os interesses. Muitos conflitos nascem exatamente nesse ato de apropriação indevida da conduta e da forma de ser do próximo. Não sabendo considerar-lhe a singularidade, tentamos combater a diferença ou, o que é pior, adotamos a indiferença.

Pensemos urgentemente na construção da conduta de alteridade em nossas relações.

Prezemos as diferenças e honremo-las com a ética da fraternidade, esse o roteiro saudável proposto por Jesus em Sua sábia interrogação: Porque, se só amardes os que vos amam, qual será a vossa recompensa?

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