sábado, 10 de janeiro de 2009

LIÇÕES DE JESUS





Amor, paz, fraternidade, bondade, caridade, desapego. Esses são valores que Jesus Cristo transmitiu em três anos de pregações por Israel, registradas na Bíblia, o principal livro da religião cristã. Ainda hoje, nas páginas que descrevem seus feitos, milagres e lições aos seguidores, estão chaves para viver melhor e contribuir para tornar o mundo mais justo e humano, como Jesus sonhou. “Na Bíblia encontram-se luz e força para orientar a vida”, afirma Tereza Cavalcanti, professora de introdução à sagrada escritura do departamento de teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). O livro sagrado está dividido em duas partes: o Antigo e o Novo Testamento. O Antigo Testamento descreve a história do povo de Israel, escolhido por Deus para realizar seu projeto: ser o Absoluto, para que as relações humanas se tornassem mais fraternas. O Novo Testamento conta a vida de Jesus Cristo, o carpinteiro da aldeia de Nazaré que se proclamou filho de Deus encarnado na Terra para dar continuidade ao projeto divino. Do Livro do Gênesis, que descreve a origem do mundo e da humanidade, ao Apocalipse de São João – escrito pelo apóstolo com a finalidade de dar esperança aos cristãos nos tempos de perseguição –, os textos abrangem um período que começa aproximadamente mil anos antes do nascimento de Jesus e termina por volta de 130 anos depois de sua morte. “A Bíblia é um compêndio de sabedoria, pois registra experiências humanas durante esse período que valem até hoje”, continua a especialista.

Como surgiram os evangelhos
Jesus não deixou nada escrito. Foram os apóstolos e discípulos os autores dos relatos sagrados. Os quatro evangelhos, de são João, são Mateus, são Marcos e são Lucas, descrevem, cada um a sua maneira, a trajetória de Jesus e seus ensinamentos. Muitos eram dados por meio de parábolas – narrações alegóricas que evocam a realidade por meio de comparação e se prestam a diversas interpretações. Nenhum texto bíblico tem valor rigorosamente histórico, já que todos os textos são baseados em relatos pessoais. João e Mateus pertenceram ao grupo dos 12 apóstolos, companheiros de Jesus, enquanto Marcos e Lucas foram apenas discípulos. Esse último nem conheceu Jesus, viveu na Síria e apoiou seu relato apenas em testemunhos. As Cartas de São Paulo, defensor da lei judaica que se converteu e se tornou um dos personagens mais importantes do cristianismo, foram escritas pelo menos 30 anos depois da morte de Jesus. Descubra oito episódios do Novo Testamento que ajudam você a trazer para o cotidiano os dons que Jesus pregava, interpretados pela professora Tereza Cavalcanti.

Confie em si mesmo

Acreditar no próprio potencial e desenvolver a fé para atingir metas que parecem distantes ou inalcançáveis é a mensagem do episódio em que Jesus caminha sobre a água. Ele está descrito nos evangelhos de são Mateus (capítulo 14), são Marcos (capítulo 6) e são João (capítulo 6).
Os discípulos estavam num barco, lutando contra a tempestade, quando Jesus apareceu andando sobre o lago, chamado mar da Galiléia, em Israel. Confundindo-o com um fantasma, os homens se apavoraram. Jesus então lhes disse: “Confiança! Sou eu, não tenham medo!” Pedro, parecendo duvidar, respondeu: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. E Jesus disse: “Venha!” Pedro desceu da barca e andou na superfície, mas deixou-se tomar pelo medo e começou a afundar, pedindo socorro. Jesus o salvou, dizendo: “Homem fraco na fé, por que você duvidou?”
Mensagem: com a autoconfiança fortalecida, pode-se perseguir metas que à primeira vista parecem impossíveis. A fé proporciona alento para não se desanimar frente aos obstáculos. No episódio bíblico, Pedro já tinha conseguido a façanha, quando perdeu a fé e afundou. Confia-se na própria capacidade ao se centrar e entrar em contato com Deus e com as próprias emoções e necessidades. A oração e a meditação são formas de se interiorizar e acessar o potencial que existe dentro de cada um de nós.

Compartilhe o que tem

A multiplicação dos pães e peixes ensina como é importante partilhar os recursos de que se dispõe, mesmo que possam parecer insuficientes. Esse episódio é considerado um dos mais importantes do Novo Testamento, já que é descrito nos quatro evangelhos (Mateus, capítulo 14; Marcos, capítulo 6; Lucas, capítulo 9; e João, capítulo 6). Em suas andanças, Jesus estava sempre cercado de gente, que o procurava em busca de cura ou ajuda. Numa delas, pacientemente atendeu os pobres e doentes e ficou pregando até tarde. Os apóstolos, cansados e famintos, queriam dispersar a multidão, mas Jesus lhes disse: “Vocês é que têm de lhes dar de comer”. Espantados, os homens argumentaram que só tinham cinco pães e dois peixes. Jesus abençoou-os, partiu-os e pediu que os discípulos os distribuíssem. E assim alimentou 5 mil pessoas.
Mensagem: por menos que se tenha para dividir, os benefícios que resultam da ação podem ser maiores do que se espera. O texto mostra que Deus retribui os gestos generosos com prosperidade e abundância, pois os apóstolos acreditavam que a comida seria insuficiente, mas no final se surpreenderam, pois ainda recolheram 12 cestos de sobras. Tem-se dificuldade de acreditar e apostar em tudo que parece pequeno, frágil, não lucrativo. É preciso lembrar, porém, que o fogo de uma vela, por mais fraco que pareça, é capaz de acender outra, e mais outra, e mais outra, infinitamente.

Descubra sua força

O episódio do semeador, descrito no Evangelho de São Marcos, capítulo 4, aconselha a perseverar mesmo diante dos fracassos e das perdas, que fazem parte da vida. A parábola é um estímulo para descobrirmos a força que mora dentro de cada um de nós e da qual nem sempre temos consciência. Em uma de suas pregações, sentado num barco, Jesus contou aos seguidores a história de um homem que saiu para semear. Parte das sementes caiu e foi comida pelos passarinhos. Outra porção delas foi parar num lugar pedregoso, onde havia pouca terra – chegou a brotar, mas logo secou. Um terceiro conjunto de sementes, em meio aos espinhos, foi sufocado. A última parte, porém, depositada em terra fértil, brotou, cresceu e deu frutos. “O reino de Deus é como um homem que espalha a semente na terra”, disse Jesus.
Mensagem: Jesus associou a palavra de Deus às sementes que os homens iriam acolher de diferentes formas. E alertou também que, como toda semente contém o necessário para brotar, crescer e se transformar numa árvore, o ser humano tem dentro de si a força para superar as dificuldades. A parábola é um estímulo ao recomeço. Se, em tentativas frustradas, a semente dos desejos caiu nas pedras ou nos espinhos, no final a terra fértil a acolherá e fará germinar. A força divina faz prosperar todo gesto em harmonia com toda a humanidade e com o planeta.

Não julgue os outros

Nenhum homem pode julgar e condenar, pois ninguém está livre de pecado. Foi o que Jesus mostrou no episódio da adúltera, descrito no Evangelho de São João, capítulo 8. Jesus dava seus ensinamentos sentado no chão quando chegou um grupo de doutores da lei (especialistas em direito e intérpretes das escrituras) e fariseus (membros de uma seita judaica que defendia o cumprimento rigoroso das leis sagradas) trazendo uma mulher que havia sido flagrada em adultério. Eles perguntam a Jesus se ela deveria ser apedrejada – esse era o castigo infligido a elas, na época. “Quem de vocês não tiver pecado atire a primeira pedra”, responde Jesus, impassível. Sua reação fez com que cada um desviasse o olhar da mulher e o dirigisse às próprias atitudes. Os acusadores foram embora, um por um, deixando a mulher sozinha com Jesus.
Mensagem: é preciso evitar os julgamentos precipitados ou insensatos, ainda mais sob influência de outras pessoas ou do grupo social. O primeiro passo é se desarmar interiormente e evitar reagir com a rapidez com que se é cobrado – na passagem bíblica, os homens interpelam Jesus duas vezes antes que ele responda. Fundamental também é se despir dos preconceitos e das opiniões formadas e desenvolver a capacidade de julgamento, pessoal e imparcial. Ouvir o que diz o coração impede que se tome para si os valores dos outros.

Não abuse de seu poder

Em um retiro de 40 dias no deserto, Jesus foi tentado três vezes, conforme o Evangelho de São Lucas, capítulo 4. Cada tentação representou uma forma de poder – o político, o econômico e o religioso. Os mesmos que muitas vezes se é tentado a usar, corrompendo e manipulando pessoas e situações. Em jejum, morto de fome, Jesus foi desafiado pelo demônio a transformar uma pedra em pão, provando ser filho de Deus. E respondeu: “Está escrito, nem só de pão vive o homem”. O diabo então levou Jesus para o alto da montanha e ofereceu a ele todos os reinos da Terra, com a condição de que se prostrasse a seus pés. Jesus se recusou: “Está escrito, adorarás ao senhor teu Deus e só a Ele prestará culto”. Finalmente, Satanás o conduziu à parte mais alta do templo, em Jerusalém, e o incitou a se atirar, garantindo que seria salvo por anjos de Deus antes de cair. Jesus mais uma vez resistiu: “Não tentarás ao Senhor teu Deus”. O Diabo, ao ver esgotadas suas formas de persuasão, foi embora.
Mensagem: é preciso resistir à tentação de tirar proveito de uma situação usando a autoridade, a posição hierárquica, o dinheiro ou a capacidade de persuasão com fins ilícitos ou que possam prejudicar outras pessoas. Chantagem e corrupção são exemplos disso. Deve-se ficar atento para não ceder a valores fúteis e egoístas, desconectados das verdades pessoais e do bem-estar coletivo.

Desfrute a vida

O famoso Sermão da Montanha, em que Jesus discursa à multidão que o segue, é um dos textos mais ricos em ensinamentos do Novo Testamento, como descreve o Evangelho de São Mateus, capítulo 6. Entre as muitas passagens em que Jesus proclama que os pobres, puros, mansos e perseguidos serão recompensados no céu, ele encoraja a desfrutar a vida, em vez de se preocupar com o acúmulo de bens materiais, e aprender a contemplar a natureza. Jesus disse: “Olhai as aves do céu: elas não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros e, no entanto, o vosso Pai celeste as alimenta. (...) Olhai os lírios do campo. (...) Eu vos asseguro que nem Salomão em todo seu esplendor se vestiu como um deles”. Com essas palavras, assegurou ao povo que não se preocupasse com o que comer ou vestir e colocasse o futuro nas mãos de Deus. “Em primeiro lugar busquem o reino de Deus e sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas.”
Mensagem: ao convidar os fiéis a seguir o exemplo dos pássaros e das flores, Jesus recomenda que aprendam com eles a não se preocupar com o amanhã, pois Deus sabe das necessidades de cada um e proporciona todo o necessário para viver. E alerta para que não se criem falsas necessidades, que consomem tempo e recursos, escravizam e obrigam a antecipar o futuro, impedindo que se viva o presente em toda a plenitude.

Exercite a solidariedade

Em seus gestos e palavras, Jesus ensinou a importância de oferecer apoio e conforto sem fazer julgamentos ou juízos de valor sobre quem merece ou não ser ajudado. Dedicou seus anos de pregação a ouvir e atender os pobres, loucos, deficientes físicos e prostitutas, defendendo-os das acusações dos que se julgavam puros, perfeitos ou donos da verdade. Jesus não escolheu os marginalizados porque eram bons, mas porque “precisavam de médico”, como diz o Evangelho de São Mateus, capítulo 9. Jesus ofereceu a vida eterna a um dos ladrões crucificados a seu lado só por vê-lo sofrendo, e sua compaixão repercutiu positivamente no coração de alguém considerado marginal. Respondendo ao outro criminoso que insultava Jesus, o ladrão perdoado disse: “Não temes a Deus nem sequer sofrendo a mesma condenação? Para nós é justo porque estamos recebendo o que merecemos, mas ele não fez nada de mau”. E acrescentou: “Jesus, lembra-te de mim quando vieres em teu reino”. Jesus respondeu: “Eu lhe garanto: hoje mesmo você estará comigo no paraíso” (Evangelho de São Lucas, capítulo 23).
Mensagem: ser solidário e compassivo pode significar apenas estar junto a quem sofre ou passa por dificuldades. Quase sempre entende-se caridade como oferta de dinheiro ou bens materiais, enquanto a qualquer momento podemos oferecer uma mão amiga ou uma palavra de conforto a quem precisa.

Acredite que a fé cura

Jesus, ao restabelecer a saúde dos doentes, sempre procurava fazê-los colaborar e acreditar na própria capacidade de se curar. Muitas vezes, associava a salvação dos males à própria fé e força de vontade dos enfermos. O Evangelho de São Marcos descreve diversas curas milagrosas no capítulo 5. Numa delas, uma mulher que sofria de hemorragia acreditava que bastaria tocar na roupa de Jesus para ficar sã. E foi o que aconteceu. Jesus, então, perguntou quem o havia tocado. A mulher, medrosa e tremendo, caiu a seus pés e contou a verdade. Jesus então disse a ela: “Foi tua fé que te curou. Vá em paz e fique curada”.
Mensagem: toda pessoa tem dentro de si a capacidade de curar o próprio corpo e as emoções ao manter a fé e a positividade. Ao longo de seus anos de pregação, Jesus várias vezes recuperou os sentidos perdidos de cegos e surdos e a capacidade de locomoção dos aleijados. Dessa forma, proporcionou aos inválidos a oportunidade de serem novamente reconhecidos dentro da sociedade, que, na época, considerava os doentes pecadores e indignos. Simbolicamente, os episódios mostram que abrir os sentidos é condição para se dar conta das dimensões espirituais que estão por trás das aparências.

TEXTO: WILSON F. D. WEIGL

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